segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

À mesa, com convicção.

As tramas policiais do siciliano Andrea Camilleri, com seu impagável inspetor Montalbano reinando na cidadezinha de Vigàta, província de Montelusa (a ficção toma emprestado o ambiente de Porto Empedocle e Agrigento), são reconhecidas no mundo inteiro. Mas é na relação do policial com a comida e os vinhos que a Sicília emerge com todas suas verdades. Em casa, o comissário que lê Faulkner e Borges, abre um bom tinto para acompanhar as surpresas que sua empregada Angelina deixa na geladeira: massa fria com manjericão e passuluna, azeitonas pretas desidratadas no sal e depois acrescidas de azeite e orégano, "com perfume de acordar um morto". E anchovas com cebola. Na rua, o inspetor Montalbano é capaz de dar uma pausa radical nas investigações para cuidar, com determinação, de sua fome e sua sede. No livro O Cão de Terracota (Editora Best Seller/2008), uma cena que resume bem o peso (ou a leveza) da alimentação nessa ilha árida e misteriosa, que deu ao mundo o bravo vinho Marsala e tem vinificado muito bons Nero d'Avola. Montalbano está diante da Osteria San Calogero, com muita fome, sem deixar de pensar em um dos seus casos da vez. "O cheiro de tainhas fritas que vinha da osteria venceu o duelo. O comissário comeu um antepasto especial de frutos do mar e depois mandou trazer duas percas tão frescas que pareciam estar ainda nadando lampeiras dentro d'água" Vendo-o ainda pensativo, o dono da osteria foi direto ao ponto: "Está comendo sem convicção, inspetor... as idéias convém esquecer diante da graça de que o Senhor está lhe concedendo com estas percas". Eric Asimov, inteligente crítico gastronômico do New York Times, dedicou certa vez uma de suas colunas a Camilleri e seu Montalbano. "Somente na Itália (...) o consumo de comida e vinho é levado com tal reverência", cravou. Montalbano está atento ao ponto das massas e à qualidade dos molhos e é capaz de excomungar tanto aqueles incapazes de preparar uma boa pasta como aqueles seres dispostos a comê-la mesmo assim. Faz verdadeiras odes ao tinnirume, folhas e broto de abobrinha siciliana: "A cada garfada sentia que seu corpo se purificava, tornava-se de uma integridade exemplar (...)". E também aos ensopadinhos de lula e ao queijo caciocavallo. N'O Ladrão de Merendas ( Record/2000), Montalbano não pôde deixar de aceitar o convite para o almoço, feito por uma testemunha, senhora de 70 anos. Ele titubeou, pensando que Signora Clementina vivia de papinhas de semolina e batatas cozidas... Mas acabou de boca bem aberta diante de um dos clássicos sicilianos, a Pasta alla Norma, com beringela frita e salada de ricota – uma homenagem à ópera de Vincenzo Bellini, um siciliano da Catânia.

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DC de 25/02/2011

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