quinta-feira, 24 de maio de 2012

Ensaios do melhor "enógrafo"

Os ensaios sobre vinhos escritos pelo romancista americano Jay McInerney têm informações precisas, dados culturais relevantes, boa dose de serviço sobre vinhos, mas são, antes de tudo, literatura. Talvez por isso, "o último Fitzgeraldiano", autor do best-seller Bright Lights, Big City, baseado em Manhattan, seja considerado também o melhor "wine writer" dos Estados Unidos. Seus primeiros textos sobre vinhos apareceram na revista House & Garden (Condé Nast), em 1999, desafiando os esnobes de plantão com "um jornalismo gonzo", como definiu a crítica do The Guardian. Hoje assina no The Wall Street Journal, sem perder verve e estilo. Quem teria a ousadia de comparar vinhos e prestar tributos de maneira urbana e automobilística como esta: "Se Dom Pérignon é o Porsche 911 Carrera do mundo do vinho, então Dom Pérignon Rosé é o 911 Turbo". Ou: "Se o Domaine Romanée-Conti é a Ferrari de Borgonha, Jadot é a Mercedes". Arriscaria dizer que McInerney é o Anthony Bourdain da crítica de vinhos por sua irreverência e seu trato muitas vezes politicamente incorreto. O chef e escritor Bourdain virou celebridade ao expor o barbarismo dos bastidores dos restaurantes, resumido num alerta: "Nunca coma peixe na segunda-feira". De McInerney temos: "Não tome vinhos em eventos de caridade". O vinho em McInerney não é uma entidade em redoma de vidro: há sempre personagens e suas circunstâncias. É isso que lemos também na sua terceira coletânea de artigos The Juice - Vinous Veritas (antes publicara Bacchus & Me: Adventures in the Wine Cellar, em 2000, e A Hedonist in the Cellar: Adventures in Wine, em 2006). É preciso revelar que Jay McInerney passou a levar seu próprio vinho nos jantares anuais em prol dos portadores de Mal de Alzheimer. DC de 25/05/2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Quenturas do Château Al Gore

As principais variáveis do aumento do teor alcoólico dos vinhos produzidos na Califórnia são temas frequentes do escritor e professor de política econômica internacional Mike Veseth, em seu blog The Wine Economist. Veseth, entretanto, vai muito além da condenação do crítico de vinhos Robert Parker. Ao pontuar com altas notas vinhos mais alcoólicos e mais amadeirados, o americano Parker tem sido demonizado pela mudança de perfil da bebida produzida em todo o mundo nas últimas décadas, da Califórnia a Bordeaux. Sobre o tema, não faltou nem mesmo Parker satirizado em debochada história em quadrinhos publicada na França (abaixo). O fato indiscutível é que uma plaquinha "RP 94", por exemplo, colocada junto a vinhos em lojas e supermercados, pode estimular vendas. E o produtor corre atrás de mercado mudando até mesmo as cepas de seu vinhedo e a agenda de sua propriedade. Mas a difusão massiva de um estilo Parker de beber não é tudo. Devido ao aumento da temperatura em vários pontos da Califórnia, as uvas colhidas têm naturalmente mais açúcar e, por extensão, produzem vinhos com mais álcool. O professor Veseth detalha uma teoria produzida no que batizou com bom humor de "Château Al Gore", lembrando que o ex-vice-presidente dos Estados Unidos ganhou o Nobel depois de dar publicidade trágica ao aquecimento global. "O aquecimento (e Al Gore) parece um tema muito controverso na mídia, mas as mudanças climáticas e o vinho não são: eu não conheço ninguém no negócio do vinho [nos EUA] que não considere essa mudança seriamente", escreve Veseth. O professor recorre a estudos do geógrafo Gregory A. Jones, da Southern Oregon University, que identificou alterações climáticas na geografia do vinho, principalmente na faixa oeste dos EUA. Isso significa que regiões hoje já de clima quente, como Lodi, na Califórnia, especializada em uva Zinfandel, pode ficar excessivamente sufocante para vinhos de qualidade. Em áreas com Pinot Noir, como Santa Bárbara e o Vale Willamette, em Oregon, os produtores terão de adaptar seu plantio com varietais mais amigas do calor, como Merlot, Malbec, Syrah ou Cabernet. A essas alterações inescapáveis soma-se um problema da saúde dos vinhedos, relatada a Veseth por viticultores locais. Em meados dos anos 1980, para lutar contra uma invasão da temível Phylloxera, agricultores tiveram de enxertar suas plantas em raízes supostamente mais resistentes. Novas raízes associadas a mudanças no trato dos vinhedos afetaram o amadurecimento das uvas e os níveis de açúcar subiram – enfim um fator realmente agrícola compondo o quadro das bombas alcoólicas que vêm da Califórnia. (http://wineeconomist.com/) Diário do Comércio de 18/5/2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Rancheiros na Casa Branca

Washington, Jefferson e Franklin, os pais mais famosos da nação americana, foram também responsáveis por certa revolução na cozinha dos Estados Unidos. Todos esses presidentes ligados ao campo eram grandes defensores da sua agricultura e já pensavam em plantios sustentáveis. Como bons "foodies", gostavam de comer e escreviam receitas próprias. Mas, graças à vivência internacional, passaram também a valorizar a importação de alimentos (azeite italiano, mostarda francesa, passas de Smirna, mortadela de Bolonha...) e a apreciação de vinhos (franceses, italianos, portugueses...). Essa invasão de ingredientes e artifícios da arte do bem viver e sua incorporação à cultura americana é contada em detalhes por Dave DeWitt em The Founding Foodies (Sourcebooks/2010). Washington escreveu sobre a importância do milho, tinha uma receita particular de cerveja; Franklin passou a apoiar a cruzada de Parmentier pela batata; Jefferson deixou para a posteridade até mesmo uma receita de sorvete. O amor de Jefferson pelos vinhos foi atestado não só pela recheada adega (não podiam faltar Bordeaux, Borgonhas e Madeira), mas pela tentativa de cultivar seus próprios vinhedos no retiro em Monticello. Jefferson aprendeu a apreciar os bons vinhos na sua temporada como ministro plenipotenciário na França e nas visitas de estudo e prazer por vinhedos na Europa. Sobre os vinhos de Jefferson a literatura é farta, pois ele era um verdadeiro maníaco da escrituração da Casa Branca e suas anotações foram esmiuçadas pelos historiadores. DeWitt fala também dos vinhos de George Washington. No jantar de despedida do presidente, em 14 de setembro de 1787, 55 "gentlemen" sentaram-se à mesa na City Tavern para um jantar regado com 54 garrafas de Madeira, 60 de claret, 22 de porter (cerveja preta), 8 de cidra, 12 de cerveja e 7 grandes "baldes" de punch. Depois, Washington partiu para o rancho em Mount Vermont, onde passou a cultivar frutas. DC de 11/05/2012

sexta-feira, 4 de maio de 2012

De trirremes e simpósios

Em Agrigento, na Sicília então dos gregos, havia uma casa conhecida como "trirreme". Trirreme é o nome dos barcos de guerra que compunham, por exemplo, a flotilha de Temístocles, com a qual gregos venceram os persas de Xerxes na decisiva batalha de Salamina (480 a.C.). A casa recebeu essa alcunha porque certa vez alguns jovens deram uma festa, ficaram muito bêbados e começaram a jogar na rua uma série de móveis e objetos da casa. Mais do que inebriados pelo vinho, diziam lutar contra uma tempestade no mar bravio e, seguindo a ordem de um capitão inexistente, jogavam ao mar a carga supérflua. O caso foi perpetuado pelo grego Timaeus de Taormina, na segunda metade do século IV a.C. "A estória pertence a uma rica tradição grega das metáforas marítimas da comunidade dos simpósios”, escreveu James Davidson, da Universidade de Warwick, na Inglaterra, no livro Courtesans & Fishcakes – The Consuming Passions o f Classical Athens (HarperPerennial/1999). “O alto mar representa a imensidão do vinho, a obliteração de pontos de referência”. O contrário dessa cena descontrolada poderia ser vista nos simpósios, a parte dos jantares da elite grega reservada à bebida e aos deleites filosóficos. Eram realizados em locais muito bem delimitados da casa, com mobílias (os famosos triclínios) apropriados, lista escolhida de convidados (de 7 a 11 pessoas, raramente 15), serviço rigoroso (o vinho diluído em água, servido da direita para a esquerda entre convidados dispostos quase em um círculo) e outras regras apropriadas para aquilo que os antropólogos gostam de apontar como modelo de socialização à mesa. Davidson, especialista em história clássica, reconstitui em detalhes não só a rotina dos simpósios e seus vinhos, mas de todos os deleites (da comida ao sexo) dos antigos atenienses. Muitos estudiosos já fizeram isso, é certo, mas com Davidson a pesquisa foi além dos textos clássicos, valorizando o material "vulgar", em tempos criticados em que a Arqueologia e suas “pedras” passaram a dominar e a guiar os estudos históricos e até mesmo sociológicos. Não à toa, o livro de Davidson foi elogiado pelo Washington Post como a última parte de uma trilogia, encabeçada por O Nascimento da Tragédia, de Nietzsche, e The Greeks and the Irrational, de E. R. Dodds. DC de 4 de maio de 2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

Robert Parker sob a lupa de Tom Wark

Robert Parker e o fim de uma era na Califórnia. Com esse título provocante, o blogueiro Tom Wark postou nos últimos dias em seu "Fermentation (http://fermentation.typepad.com/), vários textos sobre a trajetória de Robert Parker, esse americano discreto que continua sendo o crítico de vinhos mais polêmico e influente de todo o mundo. Vale a pena conferir as análises feitas por Tom Wark, todas baseadas em uma compilação de dados das degustações e das notas atribuídas por Parker aos vinhos californianos. Wark é um respeitado profissional de marketing da indústria do vinho e um dos blogueiros pioneiros da área. Bem informado não só sobre lançamentos, sabe tudo sobre os bastidores das indústrias e milita pelo livre comércio de vinhos entre os estados americanos. Ele também é o organizador do bem-sucedido Wine Blog Awards. Sobre Parker, o blogueiro reconhece a importância do ranking de 100 pontos criado pelo crítico – ferramenta hoje por trás de muitas decisões de compra em todo o mundo. E valoriza o êxito de sua publicação Wine Advocate. O que Wark observou, entretanto, é que Parker continua a ser a mais importante fonte de opinião para os vinhos de elite e mais caros do mercado americano. Mas, escreve o blogueiro, "cedeu o trabalho de avaliação dos vinhos mais populares e mais baratos a seus competidores [Wine Spectator, Wine & Spirits Magazine and the Wine Enthusiast], que têm ido muito além nessa estrada, criando avaliações de fácil compreensão para um número maior de pessoas". Legítima decisão de Parker, diz Wark, enfatizando, entretanto, que hoje apenas uma pequena porcentagem dos mais interessantes e procurados vinhos (no caso, os californianos) passam por seu palato e pena. DC 25/nov/2011

Embaixadores da Puglia

Luigi Rubino, o jovem presidente do Consorzio Puglia Best Wines, quer ver os vinhos da sua região no Sul da Itália (no salto da bota) alcançar novos mercados, como os da China, Índia, Norte e Leste Europeu. No Brasil, os rótulos da cepa Primitivo já há alguns anos encontram boa acolhida. O consórcio reúne cinco importantes e tradicionais casas vinícolas da Puglia: Tenute Rubino, Cantine Due Palme, Conti Zecca, Candido e Consorzio Produttori Vini di Manduria, todas com o compromisso de exportar cada vez mais vinhos de qualidade e fazer de suas uvas autóctones Primitivo, Nero di Troia e Negroamaro (esta última "especialidade" dos vinhedos de Salento) embaixadoras de sua terra. Vinte e um produtores participaram no final de novembro do Apulia Wine Identity, evento com apresentação internacional de 200 rótulos. O chef-celebridade Mario Batali, com vários restaurantes em Nova York e todo mundo, é um dos grandes entusiastas da uva Primitivo, a mesmíssima Zinfandel americana apreciada em vinhos californianos. Do alto de seus indefectíveis crocs alaranjados, considera esse vinho, que na Itália é bastante rústico e frutado (e nos EUA é mais untuoso e amadeirado), um par perfeito para pastas com molho de tomate e montanhas de queijo Pecorino. A boa relação qualidade e preço fez com que passasse a fazer parte das adegas de boas pizzarias da Cidade. Durante muito tempo, uvas e mosto feito na Puglia alimentaram outras regiões produtoras de vinhos da Europa. Agora, com o consórcio em plena atividade e a grande capacidade de produção dessas cinco vinícolas (mais de 11 milhões de garrafas por ano), é hora de vender os vinhos com alma e qualidades próprias. DC de 2/dez/2011

A mesa de Balzac, com ostras e Vouvray

O escritor Theóphile Gautier conta que Honoré de Balzac comemorava a entrega de manuscritos a seu editor, na Paris da primeira metade do século XIX, bebendo quatro garrafas de Vouvray, o vinho branco parceiro das ostras. Não é à toa. O romancista nasceu em Tours em 1799, ano do golpe de Napoleão, e conhecia muito bem o cenário e os sabores da região de vinhedos do Vale do Loire. O tempo de Balzac é o tempo do protagonismo da Paris da gastronomia e dos restaurantes, que ele descreve em detalhes na sua monumental Comédia Humana. Balzac tratou de questões que não estavam presentes na obra de romancistas anteriores, conta a escritora Anka Muhlstein no seu livro-ensaio Balzac's Omelette (Other Press/2011). Anka conta que Balzac subverteu o lema do famoso gastrônomo Brillat- Savarin ("diga o que comes que eu te direi quem és"), acrescentando o "onde você come e a que horas do dia". Diferentemente de Guy de Maupassant, que descrevia a degustação de ostras apelando para a poesia de seu amalgamento com a língua do consumidor, Balzac estava interessado na maneira como um jovem fazia o pedido do prato e com que intenções. O escritor mesmo vivia entre frugalidade e excessos. Quando estava em plena criação literária, água, bom e forte café e frutas (peras e pêssegos) bastavam. Depois das provas na gráfica, o quadro mudava: era a vez de bons restaurantes com centenas de ostras (e garrafas de branco), costeletas de carneiro, pato, peixe da Normandia... Depois, mandava a conta para seus editores. Com mesas repletas de Madeira, Tokaj, Champagne, vinhos de Bordeaux e da Borgonha, os personagens de Balzac honravam tanto Savarin quanto o político Cambacères, lembrado também por convencer Napoleão a acabar com a proibição de tráfego de ostras do mar a Paris, de trem. DC 13/jan/2012

Moska, de Moschofilero

Os americanos gostam de simplificar o nome das uvas e de seus vinhos. O Cabernet Sauvignon virou Cab. O Zinfandel ganhou o carinhoso apelido de Zin. Pois agora o celebrado escritor Mark Oldman resolveu publicar no seu mais novo livro (Oldman's Brave New World of Wine/WWW Norton/2010) uma espécie de carta aberta aos vinicultores gregos para que simplifiquem o nome de seu apreciado Moschofilero para Moska, a fim de facilitar a vida do consumidor americano e garantir sua popularidade no país. Mark Oldman lembra que a austríaca Grüner-Veltiner, difícil de pronunciar, é muitas vezes nas lojas abreviada para Grüner, assim como a Gewürztraminer é condensada em Gewürz. Não bastasse isso, o escritor sugere que ao lado de Moska, apareça a inscrição "resin free", para indicar que esse vinho não tem nada a ver com a retsina ou os vinhos feitos na época de Homero! Coisa de americano. A Moschofilero que ganhou o gosto dos apreciadores de vinho no mundo todo – é comparada à uva Pinot Grigio, mas ainda mais aromática – é plantada no Peloponeso, sul da Grécia, mais exatamente nas colinas de Mantinia. A vinícola Boutari, há 130 anos em operação, é responsável pela reabilitação do vinho grego na última década, incluindo a inclusão da Moschofilero – ou Moska, como quer Oldman – no mercado internacional. Resta saber o que o autor americano pretende para a uva do vinho "The Unpronounceable Grape", da moderna vinícola húngara Hilltop Nesmély. A cepa, cruzamento da local Irsai Olivér com a Gewürztraminer, foi batizada de Cserszegi Füszeres ! DC 20/jan/2012

Les Vignerons de Cartago

O ampelógrafo tunisiano Fethi Askri, um especialista da viticultura do seu país, bufa como um francês quando se atribui aos romanos os ensinamentos fundamentais do cultivo dos vinhedos e da elaboração de vinhos no Magreb. Afinal, os fenícios levaram as vinhas para Cartago há 3.500 anos, portanto bem antes da chegada dos romanos e de Catão. Askri conta que quando estes saqueram Cartago, em 146 a.C., "queimaram esplêndidas bibliotecas, mas tomaram cuidado para traduzir o Tratado de Agronomia de Magon", escrito que inspirou posteriormente o manejo das parreiras que os romanos plantaram em cada canto do seu Império. Magon, cartaginês guru da viticultura tunisiana, não à toa é homenageado no rótulo de vinhos tintos produzidos ali. Domaine Magon, em Mornag, com instalações novas e imaculadas, é uma vinícola que espelha bem a revolução silenciosa que vem ocorrendo nessa indústria de vinhos. Trata-se de uma espécie de joint-venture feita com alemães (na base de 66%/34%), com aprimoramento da qualidade de todo processo. O Magon Majus (2005) ganhou uma medalha de ouro na Alemanha, em 2010. Vencer a herança "seca" da presença muçulmana é tarefa também de outro vinho de sucesso, o Muscat Sec de Kelibia, leve e aromático, "charmoso acompanhante para peixes". Os vinhedos de Muscat estão plantados praticamente na praia, na vizinhança da cartaginesa Kerkouane (séc. V a.C.), à nordeste de Túnis. Hoje a união de viticultores locais (UCCV) é responsável por 65% dos vinhos tunisianos, com destaque para a aposta nesses vins de cépage. PS1: Indispensável para um panorama da viticultura no continente africano é a leitura do livro Africa Uncorked - Travel in Extreme Wine Territory (The Wine Appreciation Guild/2002), dos escritores aventureiros John e Erica Platter. PS2: Escolhidas garrafas de vinhos tunisianos são importadas pela Saca Rolhas Vinhos Finos, de Curitiba, e apresentados na carta da Gusta Bar Café e Gastronomia (R. Desermbargador do Vale, 1.090, na Pompeia), comandada com inteligência pelo espanhol Fernando Lancho. DC 3 de fev/2012

Nos navios da rica Holanda

Os holandeses são cervejeiros alegres e contumazes. Mas durante o século XVII, a Época de Ouro da Holanda, tinham que se equilibrar como podiam numa sociedade de moral calvinista, mas que não abria mão da riqueza que lhes garantia excepcional qualidade de vida. Um fiel retrato dessa sociedade foi feito pelo historiador Simon Schama em O Desconforto da Riqueza (Companhia das Letras/1992). Destilados (principalmente o gim da cidade portuária de Schiedam) e vinhos franceses e do Reno também tinham seu papel na alegria das cidades, ao lado de pratos que não dispensavam o pão, a manteiga, o queijo e o arenque. O iluminista Diderot, décadas depois, escreveria que os holandeses eram "alambiques vivos". E os caricaturistas de plantão não perdiam a oportunidade de desenhá-los como sapos levados por ondas de gim. "Em 1613 havia 518 cervejarias só em Amsterdã, uma para cada 200 habitantes", relata o historiador. Os vinhos, mais na mesa da elite do que nas tavernas, cumpriam seu papel como importante mercadoria dos navios mercantes que cruzavam os mares. "Os holandeses transportavam vinhos de Bordeaux para a Alemanha e a Suécia; os vinhos do Reno para a Rússia, a Leste, e a Espanha, a Oeste; vinhos de Málaga, na Espanha, e de Marsala, no Sul da Itália, para a Inglaterra; vinhos de Borgonha para o Báltico", escreve Schama, descrevendo o rentável ziguezague da lucrativa Companhia das Índias Ocidentais. Acabar com uma atividade próspera em nome de objetivos morais era impensável. Não foi fácil para o holandês do Século de Ouro "encontrar o caminho através de uma vida transbordante de riquezas sem incorrer na ira de Jeová". DC de 27/jan/2012

A tropa se ergue no vinhedo

Exibido no Festival de Filmes do Vale do Napa, o documentário No Wine Left Behind, do cineasta Kevin Gordon, trouxe à cena um bonito caso de superação. Os protagonistas são americanos veteranos de guerra enfrentando a batalha do desemprego. Suas armas: as tarefas numa vinícola. O sargento Josh Laine serviu no Iraque em duas ocasiões e foi ferido três vezes, uma delas durante a primeira Batalha de Fallujah. Ao voltar do front, em 2008, trazendo com ele todas as angústias da guerra, encontrou na sua Livermore natal, na Califórnia, outro inimigo: o desemprego. Só saiu da inércia depois que a namorada despertou seu interesse pelos vinhos da terra. Nascia a aventura de buscar nova ocupação com a criação de uma vinícola, Lavish Laines Winery. Para ajudá-lo a tocar o empreendimento, Josh Laine convocou outros marines na mesma situação de desconforto. O documentário de 15 minutos de Kevin Gordon mostra o começo "garagista" dos ex-soldados e a escalada para o gerenciamento de uma vinícola nada a dever em relação à próspera vizinhança, com seus vinhos das uvas Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gerwurztraminer e Zinfandel. O filme, que será exibido em associações de veteranos em todos os Estados Unidos, vai servir de exemplo motivador e inspirador para quem volta da guerra. O Vale de Livermore é uma das mais antigas regiões produtoras de vinho da Califórnia e teve papel fundamental no desenvolvimento da indústria de vinhos daquele estado, segundo informações do site da Lavish Laines Winery. Missionários espanhóis plantaram os primeiros vinhedos na região em meados do século XVIII. O vinho sempre foi fundamental nos ritos religiosos. Nos anos 1840, os primeiros vinhedos comerciais foram cultivados até a implantação, algumas décadas mais tarde, das vinícolas comandadas por pioneiros como C.H. Wente, James Concannon e Charles Wetmore. Livermore é hoje reconhecida como uma das Avas (American Viticultural Area) do país. DC 18/nov/2011

A corrupção de bebeu na Lei Seca

Depois de uma infinidade de estudos e obras acadêmicas sobre a Lei Seca nos Estados Unidos (1920-1933), eis que um documentário é rodado para ampliar e dar novo foco à discussão. Prohibition, de 5 horas e meia de duração, tem a assinatura de dois reconhecidos diretores, Ken Burns e Lynn Novick, e já foi ao ar no início do mês, em três dias seguidos, nos canais PBS. A série de depoimentos faz uma ligação senão inédita, pelo menos bastante segura entre a história da Lei Seca e a corrupção contemporânea. As forças que criaram e se opuseram ao "desastroso experimento" americano são muito mais complexas do que se pensa. Afinal, esse período da história americana foi feito não só de grandes delitos, capitaneados por Al Capone ou Lucky Luciano, ou pelos mascarados da Klu Klux Kan que não titubearam em queimar "desobedientes" vendedores de álcool, ou pelos políticos corruptos e subornáveis em toda parte... Na verdade, foi burlada por dezenas e dezenas de pequenos comerciantes e produtores de vinhos e bebidas, americanos ou imigrantes, muitos deles inicialmente favoráveis aos movimentos de temperança, mas que, da noite para o dia, se sentiram atingidos pelos braços draconianos da Lei. A luta contra o alcoolismo, um dos males da sociedade americana do século 19, foi de certo modo sequestrada, e ficou muito distante de suas intenções iniciais, explica Ken Burns. Prohibition explora os problemas nascidos na América pré-industrial, com as bebedeiras públicas, os abusos domésticos e a pobreza. Mostra ainda como a chegada dos imigrantes, entre eles os primeiros puritanos desembarcados em Massachusetts – colocaram mais lenha na fogueira, com seus hábitos e costumes relacionados à bebida. Os saloons fizeram sua parte. Por isso esse período teve de conviver com uma "mistura espantosa de generosidade e ganância (os vinhos fermentados para consumo em família e missas e aqueles misturados com química explosiva da Jamaica e que acabavam com o sistema neurológico de suas vítimas), sinceridade e hipocrisia, lascívia e puritanismo". DC de 11/out/2011

"Grande" dicionário do vinho do Porto

O "grande" do título é uma homenagem aos autores do Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto (Editora de Cultura/2011/566 páginas), Manuel Pintão e Carlos Cabral, que produziram uma obra indispensável a todo apreciador de vinhos e, mais ainda, para aqueles devotos da requintada bebida de mais de 300 anos de história. Além de verbetes técnicos, apresentados de maneira concisa, a viagem dos autores é muito mais abrangente. "Este vinho conseguiu ultrapassar a barreira de um produto obtido da fermentação de uvas maduras e passou a ser referência constante na História, Filosofia, Sociologia, Economia, Agronomia, Enologia, Folclore, Literatura e Arte", escrevem. Foram atrás de todos esses componentes culturais, interessados na alma de quem trabalha nos socalcos, resgatando nomes de velhas ferramentas de tanoeiros, rótulos antigos, documentos e gravuras de época (na imagem abaixo, agricultores do Douro dançam a chula rabela), compondo um panorama muito vivo da região. Manoel Pintão é português e durante décadas esteve à frente da Casa Manoel D. Poças Jr, respeitada casa de Porto. Faz dupla com Carlos Cabral, pesquisador apaixonado da história da viticultura, grande embaixador do vinho do Porto no Brasil, consultor de vinhos do grupo Pão de Açúcar desde 1997. DC de 28/out/2011

O vinho dos chefs

A rotina dos chefs nas cozinhas e adegas incorpora um sem número de exercícios de harmonização entre bebidas e pratos que entram em cena nas mesas de seus restaurantes. Por serem referenciais, essas dicas de quem está com a mão na massa são garimpadas no mundo inteiro. A bela fotógrafa Melanie Dunea, que vive em NY, acaba de lançar seu segundo livro sobre o assunto, My Last Supper – The Next Course (Rodale/2011), no qual pérolas de harmonização são apresentadas com expressivos portraits de cada chef. A pesquisa de Melanie começa com a pergunta básica: "Como seria sua última ceia na Terra?" O brasileiro Alex Atala, com tatuagens à mostra, faz uma sintética ode ao arroz com feijão – o "vício brasileiro". E diz que uma cachaça aromatizada com frutas e ervas da Amazônia acompanharia sua última refeição. Heston Blumenthal, do Fat Duck inglês, não dispensaria um roast beef com um Château-du-Pape, Domaine Beaucastel 1990. Paul Bocuse, à frente de uma série de restaurantes em Lyon, França, entre eles o Auberge du Pont de Collonges, escolheu o tradicional pot-au-feu como última refeição, acompanhado de pão rústico com linguiças de Lyon. Na taça, um cru de Saint-Amour, da safra mais recente, ou um Beaujolais, na clássica combinação: pratos da terra com os vinhos da terra. DC 9/dez/2011

Vinhos de Roma e o pedágio da corrupção

Os soldados romanos nunca dispensaram uma boa taça de vinho. No final da República, uma legião de peso, com cinco mil soldados, consumiria até mais de meio milhão de galões de vinho por ano. Imagine então a logística necessária para não deixar faltar a bebida às sedentas tropas na Gália e na Espanha, em meados do primeiro século d. C. . Quatro desses bravos batalhões supostamente mantinham a ordem e a autoridade na Gália (Asterix e Obelix contestariam o adjetivo!). Um número igual de legionários estava estacionado na região norte da Espanha. Como a produção de vinho na Gália da época era limitada, grandes navios carregados de ânforas chegavam a esses pontos com vinho transportado diretamente de regiões produtoras da Itália, principalmente do Latium e da Campânia (área do mapa em marrom). "Os grandes lucros do comércio de vinho, tanto para militares como para civis [Roma tinha cerca de um milhão de habitantes nos primeiros séculos da nossa era], atraíam inevitavelmente a corrupção", analisa o pesquisador Stuart J. Fleming, em seu livro Vinum – The Story of Roman Wine (Art Flair/2001). Fleming conta que o Senado romano chegou a editar um código (Lex Cornelia de Repetundis) que punia com mais rigor os governadores de província envolvidos em falcatruas desse mercado. A história registrou que o grande advogado Marcus Tullius Cicero foi convocado para defender Marcus Fonteius, que foi o pretor da Gália entre 75-73 a.C.. O ex-governador da província foi denunciado por corrupção, em crimen vinarius. As acusações eram de que cobrava "taxas de trânsito" de cada ânfora "importada" transportada por terras gálicas. Quanto mais distante o desembarque, mais caro o "pedágio". De Narbo (atual Narbonne) a Vulchaclo (moderna Carcassone), o imposto era de 1 denarius. Até Tolosa (a Toulose de hoje), subia para 4 denarii. A cobrança era irregular porque os vinhos da Itália eram tão romanos como a própria Gália. Sabe-se que o talentoso Cícero livrou Fonteius da acusação, não sem antes chamar os gauleses de mentirosos e bêbados. DC de 16/dez/2011

As garrafas e os dias de Gerald Asher

Nenhuma das tendências do mundo do vinho dos últimos 40 anos passaram despercebidas pelo olhar crítico do escritor inglês Gerald Asher. É por isso que o lançamento de seu mais recente livro, A Carafe of Red (University of California Press/2012), está sendo comemorado entre os apreciadores de vinho em todo mundo. Os textos elegantes e antecipadores de A Carafe of Red foram publicados ao longo de sua carreira, principalmente na celebrada coluna Wine Journal, que manteve na revista Gourmet. Reunidos agora, juntamente com alguns ensaios de muita erudição, compõem um panorama dessa indústria que não dispensa emoções. Mesmo resistentes ao tempo, os textos foram devidamente atualizados. Asher, que nos anos 60 importava vinhos para sua Londres natal, continua na ativa, agora como colaborador das revistas Decanter e da The World of Fine Wine. "Lendo seus artigos, constatamos que pouca coisa é realmente nova no mundo do vinho", escreveu Don Winkler no blog i-winereview, querendo dizer que Asher foi pioneiro no registro acurado e na crítica de certas práticas atuais como, por exemplo, a do vinho biodinâmico, a do barricamento excessivo empreendido por algumas vinícolas e os exageros dos jargões e da cruzada xiíta dos harmonizadores. O mais cativante nos textos de Asher, entretanto, é a maneira com que o vinho circunstancial abraça a perspectiva histórica. Como ele escreve: "A memória que alguém tem de um vinho raramente é um abstração de aroma e sabor. Quase sempre ele parece refletir tão bem um certo contexto que mais tarde nunca temos certeza se lembramos das circunstâncias por causa do vinho ou do vinho por causa das circunstâncias" em que foi apreciado. DC de 10/fev/2012

O desembarque de John Woodhouse

Enquanto cardumes cintilantes de grandes atuns cruzavam as águas da costa oeste da Sicília, o mar agitado ao redor das ilhas egadinas era iluminado por raios e trovões de uma grande tempestade. Era 1772. E o mau tempo obrigou o mercador inglês John Woodhouse a desembarcar apressadamente em Marsala, pensando estar pisando em solo de Mazara del Vallo, seu destino. Esse pequeno incidente, com boa vontade, entraria nos anais da navegação local. Acabou, entretanto, aportando nas páginas da história do vinho.Ao percorrer Marsala, já com tempo bom, o comerciante de Liverpool notou que o terreno e o clima daquela cidade, onde cresciam as uvas nativas Grillo, Inzolia e Catarratto, eram muito semelhantes aos de Portugal e Espanha, de onde saíam os celebrados vinhos do Porto e Jerez (o seu Sherry). No mesmo ano, chegou a enviar para seu país 600 galões do vinho de Marsala, que caiu no gosto inglês e posteriormente foi muito popular entre os súditos da rainha Victória. Woodhouse não perdeu tempo e montou uma vinícola própria, usando técnicas de fortificação semelhantes às soleras do Jerez dos espanhóis. O almirante Nelson teria passado certa vez em Marsala com sua esquadra para "alimentar" os marinheiros com o vinho forte e generoso, isso antes da Batalha de Trafalgar, contra Napoleão. Esse vinho virou então vinho de vitoriosos. Thomas Jefferson mantinha Marsala bem secos na sua adega em Monticello. Outros negociantes vieram seguindo os passos de John Woodhouse, entre eles Benjamin Ingham e John Whitaker. Mas nenhum impulso ao Marsala foi mais forte do que o do calabrês Vincenzo Florio, a partir de 1832. A empresa que fundou, hoje integrada a uma holding, ainda faz bons vinhos. Florio era grande empreendedor. Além da vinícola, esteve à frente de uma das maiores indústrias de pesca da Sicília, a ilha que não dispensa entre suas delícias gastronômicas o simples e saboroso atum empanado e frito em bom azeite. DC 17/fev/2012

O Éden de Popelouchum

Randall Grahm começou outra "jornada espiritual". O dono de uma das vinícolas mais cultuadas da Califórnia, a Bonny Doon, que ganhou o mundo com seus rótulos Big House e Cardinal Zin (vendidos há alguns anos a preço de ouro), está plantando agora um vinhedo perto de San Juan Bautista, cidade originada de antiga missão jesuítica, fundada em 1797, a 15ª das 21 implantadas na Califórnia, num arco de fé e de vinhos. Quando Grahm fala em jornada espiritual, é porque espera que o novo vinhedo (ele prefere tratá-lo como um grande jardim, um Éden onde crescem algumas uvas) o reconecte com a Natureza e com sua própria simplicidade. Grahm é um vitivinicultor holístico, que segue os mandamentos da cultura biodinâmica e os ensinamentos do educador Rudolf Steiner. Suas teorias, poesias, ensaios sobre terroir foram registrados em Been Doon So Long - a Randall Grahm Vinthology, livro editado com capricho pela Universidade da Califórnia. Os textos sobre a jornada espiritual, encontrados em seu blog, mostram toda a verve pela qual tornou-se celebridade. A ideia em San Juan é estudar detidamente qual a variedade ou conjunto de cepas capazes de expressar as qualidades únicas daquele terreno. Para isso não poupará hibridizações e experiências genéticas, colocando a mão em sementes, pisando na terra, parando de "andar nas nuvens", como ele mesmo diz. A propriedade em San Juan foi batizada de Popelouchum, palavra indígena da tribo dos Mutsun que alude a paraíso. Grahm tem seguido os conselhos dos índios, como o jejum de contemplação e interação com o território dos vinhedos. E não despreza os devas, guias da natureza capazes de indicar as melhores ações de equilíbrio, harmonia e ordem para um perfeito jardim. Enquanto os novos frutos não aparecem, os fãs da Boony Doon degustam o cult Le Cigare Volant, uma mistura de Mourvèdre e Carignane dos vinhedos de Contra Costa. http://www.beendoonsolong.com/ Dc de 24/fev/2012

O livro da vida de um colecionador

Michel-Jack Chasseuil ainda não conseguiu o famoso Sauternes Yquem 1847 para sua coleção. Mas não pensa em desistir. Desde que começou a construir sua adega, em 1985, com o objetivo de reunir exemplares de todas as grandes safras de vinhos da França e os melhores vinhos de todo mundo, Chasseuil sabe que sua missão é como um sacerdócio. Com caixas de Pomerol Feytit-Clinet, da propriedade que tem o nome do filho, Jérémy Chasseuil, ele zanza pelos chateaux da França em busca de trocas. E vai a leilões de olho em barganhas. Ex-funcionário da indústria aeronáutica Dassault, ex-colecionador de selos, diz não ter fortunas, depende às vezes de sorte para conseguir as as preciosas garrafas indicadas em bons livros e pelos amigos, especialmente pelo escritor-enólogo inglês Hugh Johnson e o especialista Michael Broadbent, durante anos à frente dos leilões da Christie's de Londres. As garrafas que consegue vão para a "mais bela adega do mundo" em La Chapelle-Bâton, pequeno vilarejo perto de Deux-Sèvres. "Meu Porto Noval Nacional de 1931 é talvez a única garrafa remanescente do mundo, em perfeito estado de conservação. Não a troco nem pela Monalisa", diz Chasseuil em seu livro 100 Garrafas Extraordinárias da Mais Bela Adega do Mundo (Editora Gaia e Editora Boccato/ 2010), que reúne histórias das conquistas de seus mais importantes e curiosos rótulos, de safras que vão de 1735 a 2005. Brilham em sua adega um conhaque Napoléon de 1805, exibido em companhia de duas cartas assinadas pelo imperador. Mas há vinhos modernos, como o Screaming Eagle 1997, um vinho cult do Vale do Napa, cuja produção não passa de 1.200 garrafas anuais, que recebeu a nota 100/100 do crítico Robert Parker. O colecionador também exibe um Marsala de1830 e um Madeira da safra de 1870, ambos ainda bons para consumo. "Quando já não estão bons, viram relíquias", diz, agendando degustações com o filho Jérémy (enólogo formado em Bordeaux) e o neto, para quando fiizer 90 anos. Para elogiar seu Borgonha La Tache 1971, Grand Cru, o colecionador escreve: "um nariz sublime, uma boca de cetim, um dos mais suntuosos vinhos do planeta deve ser guardado para grandes ocasiões. Peru com castanhas e pato Auguste Escoffier deveriam acompanhá-lo em uma marcha triunfal". Destaque do livro e da adega, o Montrachet Ramonet 1979 é saudado como o melhor vinho branco seco do mundo".

A Malbec que cruzou os Andes

A uva de coração dos argentinos, a Malbec, tem sua história ligada a uma experiência chilena. Domingo Sarmiento (presidente da Argentina entre 1868 e 1874), no seu exílio político forçado por Justo Urquiza (militar e que também foi presidente do país), acabou conhecendo a Quinta Normal de Santiago, uma fazenda agronômica dedicada a experiências com árvores frutíferas e videiras, onde ensinavam renomados especialistas europeus. Ao retornar do exílio, Sarmiento convenceu as autoridades de Mendoza a repetirem a experiência chilena. Era 1853 quando o agrônomo francês Michel Aimé Pouget cruzou os Andes com mudas e sementes para criar a versão argentina da Quinta Normal. Entre as várias cepas, a maioria francesas, a Malbec, originária da região de Cahors. O relato é do jornalista argentino Gustavo Choren em seu Gran Libro do Malbec Argentino (Planeta/2007). Os vinhedos cuidados por Pouget vingaram no solo de Mendoza, principalmente em Luján de Cuyo, considerada hoje a terra de excelência dos vinhos Malbec. O primeiro vinhedo da variedade foi reconhecido em 1865, em Panqueua, ao norte da capital da província. Esse vinhedo de Panqueua era propriedade da Bodega González Videla, que existe até hoje e é a mais antiga de Mendoza, escreve Choren. Os historiadores argentinos creditam o desenvolvimento da viticultura na região à chegada da estrada de ferro a Mendoza e San Juan, terra natal de Sarmiento. O trecho andino (mais tarde conhecido como "Gran Oeste Argentino" e "Buenos Aires al Pacífico") alcançou Mendoza em 1884. Os trens cumpriam sua função de transporte entre as províncias, mas tinham um papel ainda maior, "como agressivo fator de colonização e assentamento dentro da própria província". A primeira vinícola a se instalar ao sul do rio Mendoza foi a Norton, criada pelo engenheiro inglês Edmund J. P. Norton, que desembarcara em Mendoza com a febre ferroviária. Conta-se que apaixonou-se por uma moça nativa tanto quanto pela região. Cerca de um século depois, as Bogedas Norton foram compradas pelo empresário dos cristais Gernot Langes Swarovski. Em 2006, a Norton entrou para a lista das 20 melhores vinícolas do mundo, segundo a revista Wine Spectator. Hoje a empresa é administrada por Michel, filho de Gernot, que desenvolve um minucioso trabalho de mapeamento de terroir, identificando microparcelas dentro de cada um dos 1.200 hectares plantados. http://www.norton.com.ar/ DC de 30/7/2011

A volta triunfal dos pingüinos

Houve época em que o "pingüino", uma jarra destinada ao vinho tinto da casa, era presença obrigatória, principalmente no típico "bodegón porteño". Pois esse pichet dos argentinos está de volta não só em bairros populares de Buenos Aires, onde nasceram, como também invadiram bares da moda e restaurantes de Palermo Hollywood e Palermo Soho. Em Palermo Viejo, um batalhão de "pingüinos", no mais clássico desenho portenho, está de prontidão na cultuada loja Calma Chicha, em prateleiras ao lado de outras peças de design. Nas mesas, entretanto, é preciso estar atento ao conteúdo das jarras coloridas, de vidro ou porcelana, para que a celebração do vinho argentino de qualidade seja completa. Esse parece ser o desejo do jornalista argentino Damián Weizman, especialista em vinhos do Diário Los Andes e um dos grandes entusiastas da volta desse objeto que é uma verdadeira instituição portenha. No site de Los Andes, Damián brinca: esse pinguim não é K (pingüino era um dos apelidos de Néstor Kirchner). Acrescento: e nada tem a ver com a campanha pessoal de Cristina Kirchner, atual ocupante da Presidência de La Nación, que tem retratos seus colados a cada ponto de ônibus da capital. O movimento dos "pingüinos", não orquestrado, embalado informalmente pelos amantes do vinho argentino, acaba entretanto sintonizado com as várias campanhas oficiais de valorização do vinho do país, a começar pelo difundido slogan: "El vino nos une". O mote esteve estampado até a semana passada nos cartazes que promoveram a 10ª Festa da Colheita de Mendoza, um evento já tradicional, com calendário artístico de mão cheia, que tem sua apoteose no palco plantado nas barbas do Aeroporto Internacional de Mendoza. Em 2000, graças à iniciativa do Fondo Vitivinícola Mendoza, um vinhedo de 3 hectares da uva Malbec passou a ser cuidado na área do aeroporto, como um portal de boas-vindas aos apreciadores do vinho mendocino. O palco é cercado pelas videiras. Artista da festa, o vinhedo também é iluminado pelos holofotes. A partir de 2005, um vinho da "uva aeroportuária" começou a ser engarrafado com o rótulo Destino, mais uma peça em nome do vinho argentino. Os comandantes dos voos que ali chegam não errariam ao anunciar: "senhores passageiros, estamos pousando no vinhedo do Aeroporto Francisco Gabrielle, de Mendoza.

Todos os Borgonha de Bill Nanson

Aqueles históricos monges beneditinos da Côte d’Or, que no ano de 910 deram início ao cultivo e manejo dos mais antigos vinhedos da Borgonha, certamente não imaginariam que suas terras fossem acabar nas mãos de tantos proprietários, cada um usando seu nome na garrafa, isso depois de a Revolução Francesa dar abrupto fim a um modelo engenhoso de agricultura. É esse mundo apaixonante dos mais de 1.200 climats da Borgonha – algumas áreas têm poucos metros de extensão – que Bill Nanson apresenta no recém-lançado guia The Fine Wines of Burgundy – o sexto da série da Fine Wine Editions, idealizada pelo crítico inglês Hugh Johnson, com fotografias de Jon Wyand. Bill Nanson, químico de profissão e sem nenhum passado no mercado de vinhos, é especialista independente em vinhos da Borgonha, que compra e degusta com verba do próprio bolso, como faz questão de destacar. As visitas anuais que há mais de 15 anos empreende às propriedades da região faz de seu guia um documento atualizado sobre a viticultura da região, que “saiu da letargia dos anos 80” para entrar num novo círculo virtuoso onde pesam a competição entre os viticultores e a redução do manejo químico dos vinhedos. As primeiras 70 páginas do guia, com informações históricas e geológicas precisas, em prosa elegante, garantem a importância do livro. Mas é no perfil vivo de dezenas de proprietários – dos mais célebres aos mais caprichosos, do diretor do Domaine de la Romanée-Conti a Sylvain Pataille, de Marsannay-La-Côte – que encontramos a Borgonha diversificada florindo na sua cama oceânica milenar. P.S.: Os outros guias da Fine Wine Editions já exploraram as regiões vinícolas da Califórnia, da Toscana, de Bordeaux, da Rioja e da Champagne.

O novo jogo dos Mondavi

O império dos Mondavi foi vendido para o conglomerado internacional Constellation Brands em dezembro de 2004. A Califórnia tremeu. E não à toa. A vinícola Mondavi, uma das mais tradicionais do país, foi responsável pelo forte desenvolvimento da viticultura dos Estados Unidos nas últimas décadas. Com Robert Mondavi à frente do negócio, o Vale do Napa passou a admirar a elegância e a complexidade dos vinhos de Bordeaux – não à toa a nova administradora tratou de manter o contrato de produção do celebrado Opus One, uma parceria inaugurada por Mondavi com os Rothschild de Bordeaux. Michel esteve no centro do furacão que acabou culminando na venda da empresa, uma história com cara de tragédia grega que expôs sua rivalidade com o irmão Timothy. A jornalista Julia Flynn Siler, do The Wall Street Journal, conta esse drama em em The House of Mondavi (Gotham, 2007). Michel, entretanto, deu a volta por cima, inspirado talvez no patriarca Cesare Mondavi, que vindo de Marche, na Itália, em 1906, iniciou o império como comerciante. Michel, além de produzir rótulos próprios em outra propriedade da família – o Cabernet Sauvignon M Michel é um deles, ao lado do Spellbound do filho Rob Jr. – , está à frente da Folio Fine Wine Partners, empresa que distribui e representa vinhos de qualidade de todo mundo, com destaque para os italianos. Quando Cesare Mondavi chegou aos Estados Unidos, foi trabalhar numa mina de ferro em Minnesota. Com as economias, ele e a mulher montaram um saloon, logo afetado pelo sombrio período da Lei Seca. Foi no clube italiano local, com os amigos, onde a bocha era o passatempo dos imigrantes, que Cesare encontrou uma alternativa de negócio. No período da Lei Seca, cada família estava autorizada a manejar 4 barris de "suco de fruta" por ano. Cesare pensou que podia abastecer essa demanda, buscando uvas na Califórnia, a Zinfandel entre elas, e transportando-as para as famílias italianas em Minnesota. Nos engradados, aplicava o rótulo que lembrava seu jogo de predileção. Mais tarde, já com o fim da Lei Seca, se instalou no Vale do Napa. O neto Wilson hoje está por ali investigando os vinhos que caem bem no paladar dos americanos.

Carta aberta de Ciro Lilla

O importador de vinhos Ciro de Campos Lilla divulgou nesta semana uma carta aberta alertando que "o mundo do vinho no Brasil vive momentos decisivos". Pede reação dos entusiastas da bebida às pressões de produtores gaúchos sobre o governo, que pode adotar medidas protecionistas como novo aumento de impostos sobre os importados e cotas limitadoras de importação. Ciro Lilla, mais do que um negociante de vinhos, presidente das importadoras Mistral e Vinci, é um animador cultural de respeito. Abriu para o paladar do brasileiro uma nova paleta de vinhos de várias regiões do mundo, organiza degustações e eventos enogastronômicos exemplares e é, induscutivelmente, anfitrião impecável dos inúmeros vitivinicultores internacionais que vêm ao Brasil trazer muito mais que garrafas, conhecimento. A indignação de Ciro Lila começa pela carga tributária. Os produtores nacionais pediram ao governo um aumento de 27% para 55% no imposto de importação. Também querem limitar a importação pelo estabelecimento de cotas para a importação de cada país. Ficariam livres apenas os vinhos argentinos e uruguaios. "Incrível: cotas de importação para proteger ainda mais um setor, o de vinhos finos nacionais, que cresceu cerca de 7% em 2011 — ou seja, nada menos do que quase o triplo do crescimento do PIB brasileiro!", escreve. "Sem contar que "de cada 5 garrafas de vinho consumidas no Brasil, entre vinhos finos, espumantes e vinhos comuns (produzidos com uvas de mesa), nada menos do que quase 4 (77.4%) já são de vinhos brasileiros!" E tem burocracia atrapalhando o consumo: "nem bem foi implantado o malfadado selo fiscal e já se pede agora que o rótulo principal do vinho, o rótulo frontal, contenha algumas das informações que hoje já constam dos contra-rótulos obrigatórios". Segundo Lila, "é importante que se compreenda o quanto antes que o vinho não é uma commodity, onde o único fator a influenciar a compra é o preço. Vinho é cultura, é diversidade, é terroir, é arte. É como o mercado de livros: o brasileiro lê pouco, assim como bebe pouco vinho. E dificultar a venda de livros de autores estrangeiros não apenas não serviria para aumentar a venda de livros de autores brasileiros, como certamente inibiria ainda mais o hábito da leitura. O mesmo ocorre com os vinhos. É uma ilusão achar que encarecendo o vinho importado o consumidor vai substituí-lo automaticamente pelo vinho nacional". Veja a íntegra da carta no site da Mistral (www.mistral.com.br)

Tributo a Ronald Searle

Os esnobes do mundo do vinho já tiveram como algoz o cartunista Ronald Searle, um dos grandes artistas gráficos britânicos, que morreu na virada do ano, aos 91 anos, e continua ainda hoje recebendo homenagens pelo mundo. Nascido em Cambridge, Searle morreu em Draguignan, Haute Provence, região de belos vinhedos, onde vivia desde 1975, cercado por uma adega medieval com 500 garrafas, bebidas sem pretensão, como parte do ritual à mesa. O humor cáustico do artista, em publicações de prestígio como Life, The New Yorker e Le Monde, atingia toda a classe política, os costumes ingleses (St. Trinian's fez sucesso ao criticar o sistema educacional inglês) e, ultimamente, as mazelas do mundo globalizado. Duas coleções de desenhos especiais (Something in the Cellar e Illustrated Winespeak) satirizam os críticos de vinho. Segundo ele, com seu linguajar cifrado, o crítico faz tanto mal ao mundo do vinho quanto à própria língua. Os desenhos publicados nesta página foram inspirados em jargões autênticos de degustadores de plantão. http://ronaldsearle.blogspot.com.br/ DC de 30/março/2012

Lagostins e Verduzzo de Piave

Nem só de pão e vinho vivem as últimas ceias. Na representação da cena bíblica na Igreja de São Jorge, em San Polo di Piave, cidadezinha nas colinas ao norte de Veneza, província de Treviso, os lagostins estão salpicados na comprida mesa comandada por Jesus. Esses crustáceos de vermelho intenso estão ali no afresco de Zanino di Pietro porque a região sempre teve na iguaria um de seus pratos de resistência e abundância. No referencial Food, misto de dicionário e história da gastronomia, o jornalista americano Waverly Root chega a elevar San Polo de Piave (banhada pelas águas geladas do rio Piave que corre para o Adriático) como "capital do lagostim". Na "Última Ceia" pintada por Zanino, em 1466, é indiscutível a importância iconográfica do vinho, servido entre os apóstolos. São cinco de vinho tinto, uma de branco. E mais uma vez o pintor mostra que foi inspirado pelos costumes locais, principalmente em relação ao vinho branco da cena. Piave desde sempre foi uma região vitivinícola. Até hoje os tintos da uva Raboso, ricos e agressivos em taninos, são produtos de distinção regional. Dentro do mesmo registro campanilista, de amores e orgulhos locais (a campanile, o sino da igreja da cidade como símbolo), o vinho branco servido por um dos apóstolos bem poderia ser um Tocai ou Verduzzo, conhecidos de Zanino di Pietro, pintor da escola veneziana. A análise é de John Variano em original ensaio em Tastes and Temptations – Food and Art in Renaissance Italy (University of California Press/2009). A uva Verduzzo é muito cultivada na província de Treviso. Os produtores locais explicam que as origens sardas do vinhedo parece ser diferente do Verduzzo Friulano (região Friuli-Venezia-Giulia), tido como antiquíssimo e nativo do Friuli. O atual vinhedo de Treviso se expandiu sobre a margem esquerda do rio Piave a partir do início do século XX. DC de 13/004/2012

Nicolas, depuis 1822

Quem flanar por Paris à procura de ... Paris, vai certamente encontrar uma dessas lojas com fachada cor de vinho e um letreiro em amarelo: Nicolas. E não à toa. A casa de negócios de vinho, estabelecida no centro de Paris desde 1822, "um ano após a morte de Napoleão", está hoje em mais de 500 pontos na cidade e redondezas, sem contar as mais de 80 lojas que atravessaram o Canal da Mancha a partir de 1989, para conforto dos ingleses. Hoje, a cadeia pertence ao Grupo Castel, iniciado com negociantes e engarrafadores de Bordeaux, no final dos anos 40, e atualmente um dos maiores produtores de vinho do mundo. O jornalista e escritor Frank J. Prial, colunista de vinhos do NYTimes durante 25 anos, escreveu um texto nostálgico em Remembrances of Things – Paris – Sisty Years od writing from Gourmet (Modern Library Food/2005) em que lembra que, até os anos 60, os pequenos triciclos motorizados da Nicolas cruzavam a cidade de cima a baixo entregando vinho, da mesma maneira como o leite era entregue no Brasil, por exemplo. Mas já muito diferente da Paris de Emile Zola (1840-1902). Comportamento dos tempos do autor de O Ventre de Paris (romance protagonizado por um mercado, Les Halles), ainda nos anos 70 uma lojinha na Rue San Paul, anunciada com o cartaz Vins Du Sud-Ouest, vendia seu vinho em bombas como as de um antigo posto de gasolina. Os números em cada bomba (11, 11,5 e 12) indicavam a dosagem alcoólica de cada vinho. Prial chegou a comprar um pouco de vinho branco para preparar em casa moules marinière. A Nicolas na verdade foi a primeira casa a vender o vinho não por volume, mas em garrafas. A casa também tem no currículo o lançamento do Beaujolais Nouveau em Paris e – o mais importante – sempre deu espaço na sua lista de vinhos aos Vin de Pays, selecionados entre os pequenos produtores que trabalham com qualidade e boas uvas. As ações comerciais da Nicolas ao longo de sua trajetória quase bicentenária envolveram inúmeros artistas e cartazistas. Algumas das peças que lembram um pouco da sua história foram reunidas no livro Nectar as Nicolas (Editions Herscher). Num dos cartazes aparece o emblemático triciclo: "Livraisons rapides à domicile". No site da casa é possível encontrar os catálogos dos vinhos comercializados desde 1928. DC de 20/04/2012

Na Hungria, com Neruda e Asturias.

Nunca a comida e os vinhos húngaros foram tão exaltados quanto nas páginas de um livro escrito a duas mãos por Miguel Angel Asturias e Pablo Neruda. Comiendo en Hungria (Lumen/Barcelona/1974) é uma edição em espanhol, ilustrada por artistas húngaros, com toda a vivacidade e cores da páprica, do gulash e dos vinhos tintos e doces da região – obra preciosa para quem aprecia livros de gastronomia. O guatelmateco e o chileno visitaram a Hungria (não só Budapeste, mas várias cidades “das planuras”) no começo dos anos 1970 e encontraram na culinária a alma do país. Na Hungria, “confluência dos pimentões e da páprica”, não se pode ignorar as sopas, os repolhos "em toda a sua arte", os pescados finos do lago Balaton... Mesa que não dispensa os bons vinhos brancos da terra e os doces Tokay, “fogo de âmbar, luz de mel, caminho de topázio”. E há mais “fulgores da Hungria” nas odes dos dois escritores. Um dos vinhos incensados, o Riesling de Badacsony, sai do solo vulcânico perto do Balaton. Neruda defende a degustação de toda escala de valores do Tokay, "da seca transparência à delirante doçura". Na relação do poeta, também "Medoc de Villány, Tokay Furmint, Aszú, Szamorodini transparentes e sorridentes, doces ou airados, chamas de honra que alargam a vida, como o vinho de Somló”. Asturias fez um brinde à centenária e rústica taverna Híd, no coração de Buda, onde o prosista húngaro Gyula Krúdy (1878-1933) tomava seus vinhos e, arregaçando as mangas da camisa, entregava-se ao prazer de um assador de carnes. Nos salões elegantes do café-restaurante Hungaria, construção art nouveau do início do século XX, outro encontro dos dois esacritores com a boa gastronomia: especialidades húngaras, como os cogumelos empanados, frango recheado, medalhões assados em fogo vivo, depois servidos sobre vários tipos de pimentões, tudo recoberto com “pörkölt” (um molho à base de cebolas, tomates, páprica e vinho tinto). Essas gloriosas constelações da cozinha local “pedem rios de vinhos", justifica-se Neruda, “vinhos de meio-dia e de crepúsculo”. DC de 27/04/2012