sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dr. Conti e a safra de falsificações

Aperformance do yuppie indonésio Rudy Kurniawan, colecionador de raros vinhos da Borgonha, não está nas páginas de Delitti di Vino (Todaro/2008), histórias policiais onde o vinho flui entre os protagonistas, coleção de escritores italianos organizada por T. Dozio. E não está nessa edição gialla porque a história de Kurniawan não é ficção. "Dr. Conti", como Kurniawan é mais conhecido, dado à familiaridade com a bebida e com as sofisticações do Domaine Romanée-Conti, foi preso pelo FBI acusado de falsificação de vinhos franceses. Na sua casa em Arcadia, um subúrbio de Los Angeles, na Califórnia, os investigadores encontraram uma verdadeira "vinícola", com linha de garrafas e milhares de rótulos de grandes propriedades da Borgonha e de Bordeaux. Kurniawan enganava colecionadores de boa-fé e alguns deles eram até seus amigos, dividindo taças entre amenidades. A história de Kurniawan é uma das mais espetaculares do gênero, abalou o mundo dos vinhos finos, e acaba de ser incluída com detalhes no e-book The Wine Forger's Handobook, do escritor Stuart George e do criminalista Noah Charney. Os autores descrevem os perigos dessa indústria multimilionária dos vinhos de grife, apontando os caminhos dos hábeis e insuspeitos falsificadores. Também dá peso ao e-book a história do alemão Hardy Rodenstock. Ele vendeu um falso Château Lafite 1787 "de Thomas Jefferson", na Christie's de Londres, arrematado num lance de US$ 156 mil por um membro da familia Forbes. O caso Rodenstock é o tema de A história do vinho mais caro da história (Jorge Zahar/2008), de Benjamin Wallace. Já o site The Underground Wine Letter disponibiliza na internet um dossiê sobre o tema intitulado The Sordid Story of Wine Manipulation & Wine Fraud (www.undergroundwineletter.com/), identificando rolhas e rótulos fraudados. A trajetória do jovem Kurniawan, de 31 anos, começou em 2003, quando passou a frequentar leilões e a comprar lotes e lotes de grandes vinhos. A presença de asiáticos nesses ambientes, especialmente de chineses endinheirados, não causa mais tanta comoção. E a movimentação do bem-vestido Kurniawan, todo de Hermès, muitas vezes chegando na direção de uma Ferrari, tinha algo muito mais de elegância do que de esnobismo. Nessa época, o chic "Dr. Conti" chegava a gastar cerca de US$ 1 milhão por mês em vinhos, segundo reportagem especial da Vanity Fair. Na "vinícola" fajuta que mantinha em casa a pose de connoisseur mudava para a de gangster. O fraudador Kurniawan conseguia o milagre da multiplicação de vinhos célebres, com falsificação de rótulos e safras. As garrafas eram depois vendidas a preço de ouro para colecionadores de todo mundo. Num leilão em 2006, conseguiu amealhar US$ 38 milhões. O negócio criminoso do "Dr. Conti" começou a ir por água abaixo durante um leilão em Nova York, no restaurante Cru, em abril de 2008. Kurniawan colocou à venda 268 garrafas de sua "coleção", de três reconhecidos produtores da Borgonha: Domaine Armand Rosseau, Domaine Georges Roumier e Domaine Ponsot. Tudo ia bem até que o leiloeiro John Kapon percebeu a presença de Laurent Ponsot, o proprietário do domaine homônimo. Laurent já tinha reclamado por telefone com o leiloeiro, indicando suspeitas em relação ao lote de garrafas de sua propriedade colocado à venda. Foi uma surpresa para Kapon e Kurniawan ver que o francês se dispusera a sair da Borgonha para acompanhar o leilão em Nova York. Desculpando-se com os presentes, Kapon teve de anunciar que havia alguns problemas com as 97 garrafas dos Ponsot e que o lote não seria mais leiloado. Percebia-se ali que o crime de Kurniawan não fora perfeito. A reportagem da Vanity Fair conta: Laurent Ponsot não tinha dúvidas da fraude. O Ponsot Clos de la Roche 1929, um grand cru (a mais alta classificação de um Borgonha) anunciado para o leilão só começou a ser produzido com rótulo próprio em 1934. Outra incoerência: 38 garrafas do Clos Saint-Denis (de safras de 1945 a 1971) eram falsas simplesmente porque Laurent só começou a produzi-lo nos anos 1980. A caçada ao "Dr. Conti" levou três anos, até a sua prisão no ano passado.

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