quarta-feira, 22 de maio de 2013

No início, eram os divinos.

Conduzindo seu povo para fora do Egito, Moisés enviou “espiões” à Terra Prometida. E eles voltaram com um cacho de uvas tão grande, que precisaram de uma vara para aliviar o peso e poder transportá-lo. Sabe-se que estiveram no vale “onde jorra leite e mel”, não distante de Hebron, até hoje com vinhedos em franca produção.
 Nenhuma outra planta é mais citada nas Escrituras do que a videira (e seus produtos). A uva aparece na Bíblia 50 vezes. E seu precioso fruto, o vinho, 200. A contagem é feita tanto por quem incentiva o consumo da bebida quanto pelos religiosos da temperança, que juram que o que Jesus e seus apóstolos bebiam era suco de uva não-fermentado.
Nas Bodas de Canaã, Jesus transformou água em vinho de qualidade, já no fim da festa, para surpresa dos convivas. Na Santa Ceia, em cerimônia de Páscoa, o bebeu com o pão na instituição da Eucaristia que atravessa os tempos. E tudo isso graças a Noé, que ao desembarcar no Monte Ararat (na atual Armênia), após o Dilúvio, plantou a primeira videira, dela fez vinho e embriagou-se. Está no Gênesis.
Pois um novo livro, Divine Vintage: Following the Wine Trail from Genesis to the Modern Age (Palgrave Macmillan/2012), investiga os territórios do Oriente Médio onde a cultura do vinho nasceu e ganhou corpo há pelo menos 6 mil anos – relatos religiosos e históricos como fio condutor. Os autores Joel Butler, Master of Wine, e o scholar bíblico Randall Heskett, entretanto, não ficaram plantados no passado. O ineditismo da obra está justamente em relacionar os eventos da Antiguidade com a produção vinícola atual, traçando paralelos e compondo a Rota dos Vinhos do Mediterrâneo Oriental.
Na lista de produtores destacam-se as vinícolas Carmel (Israel), Ksara (Líbano), Kavaklidere e Doluca (Turquia), Domaine Carras, Achaia Clauss e Boutari (Grécia) . Foi nos anos 1980 que vinícolas como Golan Heights (Colinas de Golan, território ocupado por Israel) e Château Musar (Vale do Bekaa, Líbano) passaram a investir em qualidade de cultivo e vinificação, estimulando o rejuvenescimento do setor, escreve Scott Brown no seu erudito blog Cerebral Caffeine (http://scottbrownscerebralcaffeine.wordpress.com). A Golan Heights, em Katzrin, foi considerada a melhor vinícola do "Novo Mundo" (sic) pela revista americana Wine Enthusiast, no ano passado.
 Os autores de Divine Vintage estão convencidos que é na mesma região da Galiléia de Jesus, dois mil anos depois, que se produz o melhor vinho de Israel. Os fenícios foram os responsáveis pela ramificação da viticultura ao redor do Mediterrâneo. Os mercadores do manto púrpura zarpavam de Biblos (no que é hoje terra libanesa) com suas mudas e suas disputadas ânforas. Foi fácil a introdução dos vinhedos na vizinhança, em sociedades eminentemente agrárias. As parreiras sempre gostaram das colinas pedregosas de Israel.
Os arqueólogos têm descoberto centenas de lagares escavados na pedra calcárea desse cenário bíblico. Em viagem de pesquisa à região, o escritor Garrett Peck fez um levantamento minucioso dessas descobertas em Winemaking in Ancient Israel. Peck conta que os arqueólogos escavaram um desses lagares em Tzuba, kibbutz à oeste de Jerusalém, na mesma área (antiga Suba) onde o rei David teria feito vinho pela primeira vez. Os vinhedos foram destruídos quando os muçulmanos conquistaram a área no século VII. Tzuba cuida de vinhedos desde 1996 e começou a produzir seus vinhos em 2005. Uma das vinícolas "internacionais" em Israel é a Carmel, fundada em 1882 pelo Barão Edmond de Rothschild, dono do Château Lafite Rothschild, em Bordeaux, certo das qualidades da Terra Prometida. As duas maiores plantas da Carmel estão no Sul de Tel Aviv e próxima à cidade de Haifa, no Monte Carmelo, ambas com invejadas adegas subterrâneas do século XIX.
DC de 17/05/2013

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