quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O vinho pop de Downton Abbey

O CEO da Wines That Rock vai direto ao ponto: “podemos não entender de vinho, mas entendemos de marketing”. Wines That Rock é uma empresa americana que produz vinhos temáticos embalados pela cultura pop. Faz o vinho licenciado dos Rolling Stones, por exemplo. Sabe que a grande língua vermelha do rótulo atrai consumidores de vinho fãs da banda. A Wines That Rock fez os vinhos para todos prazeres de 50 Tons de Cinza. E foi nessa mesma trilha pop que seus executivos planejaram os vinhos Downton Abbey, viajando na série televisiva inglesa homônima, que atraiu e atrai milhões de espectadores em todo mundo. A primeira coleção nasceu em vinhedos franceses. Agora, os vinhos saem da Califórnia. Há um Cab Downton Abbey circulando por aí... Downton Abbey, a série, traça um retrato da aristocracia inglesa do início do século XX a partir da família Crawley. A história começa com o naufrágio do Titanic, que não deixa de ser uma grande metáfora: os Crawleys enfrentam as mudanças políticas e comportamentais de sua época com uma elegância persistente que desafia a decadência que se avizinha, após os dramas da Primeira Guerra. Com seus trajes impecáveis, muitas vezes estão à mesa, acompanhados de brilhantes talheres e taças de bons vinhos, ou nos grandes salões e jardins da propriedade, com seus copos de uísque. Representam certo espírito de bem viver que teve como patrono o próprio rei Eduardo VII. (“Não se pode apenas beber o vinho, cheirá-lo, observá-lo, degustá-lo, sorvê-lo, h&aacut e; de se falar sobre ele” é uma frase atribuída ao rei.) Em 2015, o Cabernet Sauvignon Downton Abbey da Wines That Rocks foi um dos 50 vinhos mais vendidos pela Amazon ( são comercializados somente nos Estados Unidos e no Canadá). A primeira coleção Dowton Abbey foi lançada em 2013. A companhia criou dois blends, um branco e um tinto, ambos produzidos na França. Uma parceria com a Dulong Grands Vins de Bordeaux, um negócio de vinhos de 130 anos e 5 gerações, com vinhedos na região de Entre-Deux-Mers. Para essa coleção foram usadas as mesmas castas, em solos e terrenos semelhantes aos que produziam vinhos em 1900. A historiadora Jennifer Regan-Lefebvre, do Trinity College, de Connnecticut, entrevistada pelo site VinePair, diz que registros do século XIX mostram “que não era inusual para as famílias aristocráticas terem alguns milhares de garrafas estocadas em suas adegas”, mesmo se o consumo per capita na Inglaterra de então não ultrapassasse duas garrafas/ano. Em Dowton Abbey, entretanto, não temos a visão da adega. Sabemos da movimentação dos vinhos por meio das cenas em que o grande mordomo Carson (Jim Carter) faz as escriturações e os decanta ritualmente. Os vislumbramos, sim, mas já nas taças cheias do Conde de Grantham (Hugh Bonneville), mais pose do que real prosperidade. Richard L. Elia, da Q.R.W.com, uma revista de vinhos online, avalia que há pouco vinho em Downton Abbey e que a história merecia mais, ou pelo menos uma presen&c cedil;a mais explícita. E faz blague: o valete Thomas Barrow (Rob James-Collie) parece ter o paladar mais refinado entre todos os moradores ou visitantes do casarão, já que sabemos que ele roubou duas garrafas de Château Lafite. Diferentemente do que ocorria em muitos círculos da alta sociedade inglesa, em Downton Abbey a noite passava longe do cocktail. Nos domínios de Robert Crawley, o aquecimento era feito com Porto e Sherry, vinhos fortificados. Os Crawley tinham uma concepção muito particular de harmonização, analisa Jennifer Regan-Lefebvre para o VinePair. Hors d’Oeuvres (Sherry), Sopa (Borgonha Branco), Peixe (Claret), Carnes leves (Champagne), Cordeiro e aves (Bordeaux vintage), Sorvetes (Porto) e Champagne, sempre muito vinho Champagne. Há críticos que tratam os vinhos Downton Abbey feitos na França como “inofensivos”. Agora têm à frente para análise os Downton Abbey feitos na Califórnia, a partir da quinta temporada da série. A coleção homenageia Lady Cora Grantham (Elizabeth McGovern), a mulher do famoso conde, nascida nos Estados Unidos. Os criadores do vinho garantem que o mordomo Carson escolheria vinhos californianos para agradar paladares de sensibilidades mais modernas, de convidados da condessa. Eu não acredito. Os vinhos Condessa de Grantham (Cabernet Sauvignon e Chardonnay) são produzidos na tradicional vinícola familiar Lange Twins, n a região de Lodi, no Vale Central californiano. William Zysblat, da Wines that Rocks, lembra (faz marketing) que as uvas foram plantadas na Califórnia por volta dos anos 1860, justamente a época em que Lady Cora teria nascido.